Trata-se de uma expedição que aconteceu há, exatos, 31 anos e que mereceria um livro, pois muitas são as estórias para contar. Aqui, nesta matéria, tentaremos passar um pouco das emoções desta inédita aventura!
Por: Milton Tesseroli Filho
Fotos: Douglas de Oliveira e Marcos Prado
Ali, o dramático perfil de maciços montanhosos com altitudes superiores a 4 mil metros, convive com as infindáveis planícies de cascalho e hipnotizantes dunas de areia de proporções oceânicas, juntando-se para compor um dos mais inóspitos ecossistemas do planeta. Considerando-se que jamais uma expedição composta exclusivamente de brasileiros, havia atravessado estas paragens, únicas em suas características, fica evidente a sua importância na história das expedições 4×4 brasileiras.
O papo foi inspirador, quando Tito começou a descrever as suas experiências na África. Eu, imediatamente, percebi que o desafio seria por lá., embora envolve-se uma complicadíssima logística e uma boa reserva de recursos. Ele foi o grande mentor deste roteiro que deveria acontecer no início do ano seguinte, quando as condições climáticas seriam mais favoráveis.
Assim, imediatamente acionamos a equipe da Landscape Expedições que, na época, era a empresa que gerenciava as nossa aventuras e contratos com patrocinadores. Partimos para as pesquisas, contatos com patrocinadores, definição da equipe e etc.
Nesta ocasião, convidei o Kiko (Francisco Ferraz), meu antigo parceiro em outras aventuras, que possuía uma Toyota Bandeirante igual a do Tito e, para ser meu co piloto, o grande amigo venezuelano Tony Velasquez que na época residia no Brasil. Na sequência, o ainda desconhecido mas sempre brilhante, fotógrafo, Marcos Prado foi o convidado do Tito e o fotógrafo Douglas de Oliveira seria o co-piloto do Kiko. A nossa Crew estava formada; seis pessoas e três 4×4 sendo o meu um Série 3 – 1974 diesel, com 14 anos de idade.
Livorno na Itália, onde os tripulantes se reuniram. Após minuciosa inspeção pela alfândega italiana, fomos liberados, embarcando em outro barco, um ferry que nos levaria até a Córsega, depois Sardenha e finalmente até a Tunísia, em solo africano, onde iniciamos o percurso pelo Saara.
Ainda em Tunis, obtivemos as licenças para a travessia do deserto e pudemos garimpar algumas raras peças reservas para o nosso LR. Conhecemos uma loja onde pudemos iniciar o escambo, prática que perdurou por toda a expedição. Nesse dia, algumas peças de embreagem foram trocadas por revistas brasileiras…
Rumo ao deserto, logo chegamos a complicada fronteira com a Argélia, país onde aconteceria a maior parte da travessia. Uma imensa fila com veículos de todo o tipo, muitos deles 4×4 preparados, Unimogs, motocicletas e aventureiros de todas as partes do mundo, denunciavam que estávamos no lugar certo! Foram muitas e muitas horas até sermos liberados para atravessar.
A Argélia sempre foi um país muito fechado, rígido e com várias restrições. Para atravessar o país, fomos obrigados a comprar uma determinada quantidade de dinheiro deles mas, ao sair, tínhamos que prestar contas e devolver o dinheiro que sobrasse. Ou seja, não poderíamos sair do país sem gastar tudo. Isto nos causou grande embaraço na saída para o Marrocos e, por pouco, a coisa não ficou mais séria.
Muita escassez de alimentos, nenhuma bebida alcoólica pois eram proibidas e, praticamente, nada para comprar. Frequentemente, trocávamos objetos pessoais como: canetas, camisetas, óculos e etc por combustível e comida. Ele preferiam ao dinheiro vivo.
Logo fomos nos afastando da civilização e os trechos tornaram-se mais difíceis e desafiadores. Vale lembrar que, naquela ocasião, não existiam telefones celulares nem GPS e que toda a nossa navegação foi feita baseada em pesquisas, dicas de livros de outros aventureiros, mapas, cartas e bússolas! Qualquer aparelho de radiocomunicação era proibido, mesmo entre os carros. De qualquer forma, nós transportamos clandestinamente um rádio desmontado e escondido,
para ser utilizado numa emergência extrema. Este aspecto, certamente deu uma outra dimensão as emoções que estavam por vir.
A areia muito fofa era outro desafio, exigia o máximo dos veículos e muitas vezes a temperatura dos motores subia e então precisávamos seguir reduzidos, em baixíssima velocidade. Em geral, os três veículos comportaram-se muito bem e o Série 3 sentiu-se totalmente à vontade. Tivemos apenas uma mola mestra partida que foi substituída em Ilizi (Argélia), após dois dias de negociações. Lá, depois de muita conversa com os desconfiados Tuaregs, conseguimos, através deles, comprar uma mola usada igual, retirada de uma sucata do governo.
Sobre a alimentação, nós transportávamos praticamente toda a comida que seria consumida mas, eventualmente, conseguíamos algo local que ,inevitavelmente, era couscous com frango. Quando cozinhávamos fora dos veículos, as panelas sempre ficavam com um dedinho de areia no fundo, soprada pelo vento constante. Tempero do deserto! Fazíamos muita sopa, sempre incrementadas com o que conseguíamos localmente, como tâmaras e enormes azeitonas suculentas e saborosas. Tudo, obtido através de trocas com os locais.
Acampávamos todos os dias, alguns dormiam em barracas outros preferiam acomodar-se dentro dos veículos. No meu caso, fiz uma adaptação na parte traseira do Série 88″ montando uma cama para duas pessoas dormirem confortavelmente. Funcionou muito bem e nos livrou do frio, tempestades de areia e dos indesejáveis e perigosos escorpiões do deserto que sempre apareciam nos acampamentos. É importante proteger-se da amplitude térmica de cerca de 30/40 graus diariamente. Temperaturas diurnas de até 40 positivo e noturna de até 5 negativo, são sempre um desafio a mais para manter o corpo saudável e com energia. Neste ponto, aprendemos que os turbantes, túnicas e o chá quente de hortelã, consumido muitas vezes durante o dia, ajuda muito a manter este equilíbrio.
Um dos pontos mais difíceis numa expedição é o aspecto humano, onde pessoas totalmente diferentes se reúnem para executar uma missão de exploração e aventura com riscos, privações e desafios pessoais, muitas vezes, desconhecidos. Torna-se um mergulho interior onde somos desafiados a nos conhecer melhor, manter o controle e estarmos prontos para enfrentar as novas faces de nossos companheiros com muita tolerância e resiliência.
outras aventuras, também enfrentamos desafios que foram administrados de forma a satisfazer, dentro do possível, os anseios e expectativas de cada um. Ao final, todos tiveram um grande aprendizado: chegaram bem e concluíram os seus objetivos com sucesso!
De forma geral o relacionamento com os locais foi sempre muito amigável e gratificante, especialmente quando nos afastavamos das cidades maiores. A curiosidade e simpatia pelo Brasil estavam sempre presentes e todos muito solícitos e carentes.
Na época da expedição, eu estudava Arqueologia e Direito e tinha um objetivo pessoal de tentar localizar um já conhecido sítio arqueológico perdido nas areias do Sahara. Por sorte e com algumas dicas obtidas num livro comprado pelo Tito, conseguimos chegar lá e após algumas horas de exploração, localizar fragmentos de objetos que confirmavam a passagem de povos muito antigos pela região. Neste fascinante local, tive a sorte de encontrar entre os fragmentos uma moeda francesa da década de 30″ o que comprovou que muito antes de nós aventureiros franceses estiveram por ali!
Iniciamos na Itália e terminamos na França mas na África percorremos três países; Tunísia, Argélia e Marrocos. As principais localidades visitadas foram Tunis, Tozeur, Touggourt, Hassi Messaoud, Hassi Bel Guebur, In Amenas,
Agradeço muito a oportunidade que tive de realizar este sonho junto de pessoas tão especiais! Tony, Tito, Kiko, Douglas e Marcos, muito obrigado pela amizade e excepcionais lembranças. Agora vamos preparar outra para celebrar!!!
ONE LIFE, LIVE IT.
Conheça: https://www.facebook.com/landscape.offroad/
[…] OS BRASILEIROS QUE ATRAVESSARAM O SAARA NA DÉCADA DE 80 […]